10 de mai. de 2010

O Fogo


Um novo estudo concluiu que seres humanos conseguiam produzir fogo há cerca de 790 mil anos, habilidade que contribuiu para a migração da África para a Europa. A descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade Hebraica de Jerusalém, após análise de um sítio arqueológico no vale do rio Jordão. Um estudo de 2004 no mesmo local mostrou que, naquele período, o homem era capaz de controlar o fogo - fazia sua distribuição, por exemplo, por meio de galhos. Agora, o trabalho publicado na "Quaternary Science Reviews" diz que ele conseguia gerar fogueiras e não apenas aproveitar faíscas que resultavam de raios. Os novos dados mostram que o homem pré-histórico não era dependente de fogo natural, o que ajudou a impulsionar a migração para o norte, pois ao conseguir dominar o fogo para se proteger de predadores e garantir calor e luz, estava seguro para povoar terras desconhecidas.

Recomendação do dia: O filme "A Guerra do Fogo", de Jean-Jacques Annaud, que levanta hipóteses sobre a origem da linguagem através da busca de três hominídeos por uma nova fonte de fogo perdida por sua tribo. O filme surpreende pela sensibilidade com que trata um tema tão complicado, onde povoam ainda poucas certezas e muitas teorias.

8 de mai. de 2010

Vida de Professor

Cabral não foi o primeiro...


Em dezembro de 1498, uma frota de oito navios, sob o comando de Duarte Pacheco Pereira, atingiu o litoral brasileiro e chegou a explorá-lo, à altura dos atuais estados do Pará e do Maranhão. Essa primeira chegada dos portugueses ao continente sul-americano foi mantida em rigoroso segredo. Estadistas hábeis, os dois últimos reis de Portugal entre os séculos 15 e 16 - D. João II e D. Manuel I - procuravam impedir que os espanhóis tivessem conhecimento de seus projetos. Ao entardecer do dia 22 de abril de 1500, a frota de Pedro Álvares Cabral ancorou a 36 quilômetros da costa baiana. No dia seguinte, chegaram mais perto da praia e avistaram sete ou oito homens andando na areia. Nicolau Coelho, Gaspar da Gama, um grumete e um escravo africanos foram os primeiros a desembarcar. O grupo na praia já aumentara para vinte homens, todos nus. Quando os nativos se aproximaram do barco apontando seus arcos e flechas, Nicolau Coelho fez-lhes sinal para que largassem as armas, no que foi obedecido. Ainda de dentro do barco, ele atirou um gorro vermelho, um sombreiro preto e a carapuça de linho que usava. Em troca, os índios lhe deram um cocar e um colar de pedras brancas... Assim, a chegada de Cabral ao Brasil é dois anos posterior à de Duarte Pacheco. Além disso, o atual território brasileiro já era habitado desde tempos pré-históricos: cerca de cinco milhões de índios aqui viviam em 1500.

Recomendação do dia: O filme "Hans Staden" (foto), dirigido por Luiz Alberto Pereira, que traz os primórdios da colonização do Brasil, envolvendo as diferentes culturas existentes na época, como índios, portugueses, espanhóis e franceses.

1 de mai. de 2010

Hesíodo e o Trabalho


Poeta grego, de fama comparável à de Heródoto, Hesiodo foi o mais antigo escritor de que se tem notícia. Espalhou, através de seus poemas - especialmente “Os Trabalhos e os Dias” - preceitos morais e de conduta para a juventude, valorizando o esforço dos camponeses e condenando o ócio e as guerras. Hesíodo viveu durante o período Arcaico da Grécia, entre os séculos VIII e VII a.C. Posteriormente, no apogeu das Cidades-Estado, a sociedade seguiu normas, costumes e tradições contrárias aos ensinamentos pregados por ele. O ócio passou a ser extremamente valorizado como forma do cidadão poder participar dos negócios de Estado e fiscalizar suas propriedades rurais; o trabalho manual, que exige esforço do corpo, foi destinado aos escravos, àqueles que nada mais podiam oferecer além dos serviços pesados. Tudo o que temos de notícias a respeito de Hesíodo foi contado por ele mesmo, inclusive sua própria biografia, por isso nem mesmo sua existência é assegurada. Como os poemas homéricos, sua obra parece ser uma coletânea de mitos e tradições conservados oralmente — no caso, tradições da Beócia, região em que viveu. Hesíodo foi, no entanto, o primeiro a utilizar suas próprias experiências como tema de poesia e a cantar a vida simples do homem do campo.

Recomendação do dia: O livro "O Mundo de Homero", de Pierre Vidal Naquet, ed. Companhia das Letras, onde com erudição e clareza, fazendo-se compreender também pelo leitor comum e não somente por especialistas, o autor oferece-nos a síntese dos conhecimentos atuais a respeito do mundo que gerou Homero.

11 de abr. de 2010

A Guarda do Imperador


A Guarda Pretoriana era um corpo militar de elite formado para proteger o imperador romano e sua família; em certas ocasiões este corpo alcançou tanto poder que foi decisivo na escolha ou permanência dos próprios imperadores. Vestiam-se de forma diferenciada e as guardas reais do presente século são suas herdeiras no que tange a questão de proteção da família real. A partir de Augusto, todos os imperadores tiveram uma guarda pretoriana, de tamanho variável. O termo Guarda Pretoriana quer dizer "A Guarda do Pretório"; o praetorium era a parte central do acampamento de uma legião romana, onde ficavam alojados os oficiais superiores. No ano de 23 d.C., com Tibério como imperador, inaugurou-se o acampamento permanente da Guarda Pretoriana, chamado Praetoria Castrates, localizado nas cercanias de Roma; desde então a Guarda Pretoriana passou usar o escorpião - que era o signo de Tibério - como distintivo da unidade militar, em seus escudos e no seu estandarte. Os pretorianos geralmente chegavam à Guarda através de seus serviços nas legiões. Eles tinham que ser muito bem recomendados, passar em alguns exames, conhecimentos e testes físicos exaustivos. Segundo Edward Gibbon, foi Diocleciano quem, tendo em vista a necessidade de reformas, desmobilizou a Guarda Pretoriana. Tal ação foi sendo executada de forma deliberada e imperceptível ao longo de vários anos.

Recomendação do dia: O livro "Juliano", de Gore Vidal, ed.Rocco, uma reconstituição romanceada do imperador romano que tentou restaurar o paganismo, retratando admiravelmente o cotidiano do fim do Império com sua depravação e corrupção.

28 de nov. de 2009

Polacas


As ruas de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro acostumaram-se a receber um grupo de mulheres que, por quase um século, prostituiu-se. Nascidas no Leste Europeu – e, por isso, conhecidas aqui como “polacas” –, elas eram judias, pobres, sem dote para um bom casamento e quase sempre analfabetas. Saíram de seus países fugidas, com medo das ondas de anti-semitismo. Sem perspectivas, acabaram recrutadas por cafetões. O relato mais antigo da chegada das polacas por aqui data de 1867 e o documento menciona a chegada ao porto do Rio de 104 “meretrizes estrangeiras” – dessas, 67 ficaram e 37 seguiram para Argentina.
A história das polacas foi esquecida. Primeiro porque não tinham sucessoras. Depois porque sempre foram discriminadas – inclusive pela sociedade judaica brasileira da época, que não permitia a elas nem um enterro digno. A maior parte das polacas está enterrada em cemitérios construídos por associações que fundaram no Brasil, como o Cemitério Israelita de Inhaúma, no Rio. Expressões usadas pelas polacas judias deram origem a palavras hoje muito populares no Brasil. Quando suspeitavam que um cliente tinha doença venérea, diziam ein krenke (“doença”, em iídiche), que acabou se transformando em “encrenca”. E, quando a polícia dava incertas nos bordéis, elas gritavam sacana (“polícia”) – que virou “sacanagem”.

(Na foto, de Augusto Malta, uma polaca e sua escrava)
Recomendação do dia: O livro "Baile de Máscaras: mulheres judias e prostituição - As polacas e suas associações de ajuda mútua", ed.Imago, onde Beatriz Kushnir faz uma brilhante pesquisa sobre o mundo privado de mulheres tidas como públicas.

12 de jun. de 2009

Vestígios de Poder


A cidade inca de Machu Picchu, nos Andes, localizava-se a uma altitude de cerca de 2500m e apesar de oculta e livre dos espanhóis (nada é mencionado em suas crônicas), foi abandonada ainda no sec. XVI por razões e em circunstâncias ignoradas. Acreditava-se que as ruínas incas haviam sido “descobertas” por Hiram Bingham, da Universidade Yale em 1911, entretanto, em 1989, o cartógrafo americano Paolo Greer encontrou um mapa alemão datado de 1874 que já as indicava. Indo atrás da história desse enigmático mapa, Greer e sua equipe conseguiram comprovar que o verdadeiro descobridor de Machu Picchu foi o alemão Augusto R. Berns, minerador e proprietário de terras na região das ruínas por volta de 1867. Atualmente Machu Picchu pode ser destruída a qualquer momento por deslizamentos de terra. De acordo com geólogos japoneses que tem monitorado o local, o declive na parte posterior do sítio arqueológico está recuando cerca de 1 cm por mês, podendo haver uma movimentação de terra de até 100 m de profundidade, danificando irreparavelmente as antigas estruturas.

(A foto mostra as famosas ruínas, nas quais foram encontrados milhares de esqueletos, sendo que 80% eram de mulheres)
Recomendação do dia: O DVD do filme "Queimada", dirigido por Gillo Pontecorvo que, com visual e narrativas impressionantes, além de grande atuação de Marlon Brando, explora temas como colonialismo e insurreição.

31 de dez. de 2008

Uma Boa Transação


Aprendemos que os holandeses foram expulsos do Brasil em 1654, numa guerra valente movida contra eles por índios, negros e portugueses. Só faltou explicar como essa gente armada de espingarda, espada e arco e flecha foi capaz de vencer a principal potência econômica e militar do século XVII. Na verdade, Portugal comprou o Nordeste dos holandeses, pagando o equivalente a 63 toneladas de ouro, após um acordo que foi costurado durante negociações que tiveram início em 1641. A primeira fronteira do Brasil não foi o Rio da Prata ou a Amazônia, mas sim o Nordeste; foi aí que nossa integridade territorial correu maior perigo. Por lamentável que tivesse sido, a perda do Rio Grande do Sul não teria comprometido a unidade nacional - como não o fêz a independência do Uruguai - mas a consolidação do Brasil holandês teria estilhaçado a América portuguesa. Aliás, sem a restauração portuguesa de 1640, não teria havido a restauração pernambucana de 1654, pois a Espanha certamente teria cedido de fato o Nordeste à Holanda. A negociata foi finalizada com o Nordeste sendo pago 2/3 em sal de Setúbal e 1/3 em duas praças-fortes do Malabar outrora conquistadas por Vasco da Gama nas Índias, o que bem simboliza a opção brasileira feita pelo governo português da restauração.

(Na foto, a casa do governador holandês Maurício de Nassau em Haia, hoje museu de pinturas da coleção particular da familia real holandesa)
Recomendação do dia: O livro "História de Antonio Vieira", ed.alameda, de João Lúcio de Azevedo, uma monumental biografia daquele que ficou conhecido como apóstolo dos índios, pregador extraordinário, político ardiloso, amigo dos cristãos-novos, defensor da escravidão dos africanos, intérprete dos profetas e, segundo o poeta Fernando Pessoa, imperador da língua portuguesa.

20 de dez. de 2008

O Grande Khan


Um líder com características ambientalistas e homofóbico. Assim um grupo de cientistas chineses descreve o lendário Gêngis Khan a partir da recuperação daquela que muitos consideram a mais antiga Constituição do planeta: o Código de Gêngis Khan, criado no século 13 pelo conquistador e seus conselheiros. Havia pena de morte tanto para aqueles que "...causarem estragos à pradaria mongol com escavações não autorizadas ou atearem fogo à vegetação" quanto para os que "...cometerem sodomia". O surto homofóbico da lei teria uma explicação estratégica: Gêngis Khan queria estimular a expansão da população mongol, que naquela época somava 1,5 milhão de pessoas, contra os 100 milhões de habitantes da vizinha China. Morreu com cerca de setenta anos, tendo sido sepultado em local até hoje desconhecido; todos os homens ou animais que cruzaram com a imensa caravana que levava os despojos mortais foram imediatamente mortos - não havia vingança nessas matanças, os animais eram eliminados para serem oferecidos em sacrifício enquanto os homens deveriam ser silenciados para garantir o segredo de Estado, pois ninguém deveria saber que o grande guerreiro estava morto até que se finalizassem todas as campanhas militares em andamento.

Recomendação do dia: O DVD do filme "O Ovo da Serpente", de Ingmar Bergman - Na Berlim arrasada pela Primeira Guerra Mundial, um desempregado judeu consegue refúgio no apartamento de um homem que também lhe oferece emprego em uma clínica onde realizam-se experiências pseudo-científicas - Muitas vezes a expressão "ovo da serpente" foi utilizada como metáfora para exprimir a constatação de um mal em processo de elaboração, de incubação. No desenvolvimento do ovo, pode-se acompanhar a lenta e inexorável evolução do monstro(o Nazismo, no caso do filme)que irá nascer.

6 de dez. de 2008

Camisas-Verdes


A tese de que os movimentos fascistas fora da Itália e Alemanha foram imitações apagadas e mal sucedidas parece sustentar-se apoiada em alguns exemplos na América Latina. O PNC(Partido Nazista do Chile) nunca teve grande importância; na Argentina, surpreendentemente, a despeito ou talvez devido à força das ideologias da ala direita, nenhum grande partido fascista vingou na década de 30. Não foi o que ocorreu no Brasil; em 1932 nasce a AIB(Ação Integralista Brasileira) denunciando, segundo o líder do movimento Plínio Salgado, "...a confusão reinante após a Revolução de 30" e exigindo um Estado intervencionista e com amplos poderes. Salgado conhecia Mussolini pessoalmente e certamente foi influenciado por este; tal qual o Fascismo europeu, a ideologia integralista elencou como adversários a combater, o Liberalismo, o Socialismo, o Capitalismo internacional e os judeus, não excluindo a utilização de meios violentos nessa luta. Chegando a reunir mais de 1.000.000 de militantes em 1937 (chamados de "camisas-verdes" devido ao uniforme), a AIB esfacela-se no ano seguinte, após uma fracassada tentativa de chegar ao poder através de um ataque ao Palácio da Guanabara e com Plínio Salgado sendo forçado a rumar para o exílio em Portugal.

(Na gravura, capa da revista "Anauê", saudação de provável origem tupi, significando "meu irmão" e que era utilizada pelos militantes integralistas)
Recomendação do dia: O livro "A Anatomia do Fascismo", de Robert O.Paxton - Ed.Paz e Terra - onde o aclamado historiador norte-americano demonstra que para compreender o Fascismo, temos que examiná-lo em ação, levando em conta o que ele fez e não apenas o que dizia ser.

14 de set. de 2008

A "Invencível"


A Invencível Armada (no espanhol antigo: Grande y Felicíssima Armada), chamada de "The Invincible Fleet" com certo tom irônico pelos ingleses no século XVI, foi uma esquadra reunida pelo rei Filipe II da Espanha em 1588 na tentativa de pôr fim à sua guerra com a Inglaterra. Saindo de Lisboa a 28 de Maio de 1588, com 130 barcos, 8 mil marinheiros e 18 mil soldados (grande parte dos estrangeiros da Invencível Armada eram pilotos, marinheiros e soldados portugueses; inclusive um dos principais esquadrões de batalha era denominado "Esquadra Portugal"), a Armada tinha como plano destruir a frota inglesa que defendia o Canal da Mancha e posteriormente escoltar o exército do Duque de Parma de 30 mil soldados, que aguardava nos Países Baixos Espanhóis. Só após 15 dias os espanhóis conseguiram avistar a costa inimiga; durante este tempo, a calmaria no litoral português e uma tempestade junto ao cabo Finisterra, separou a Armada. Após uma reunião do alto comando em Vigo, decidiu-se rumar para a Inglaterra, avistando-se a frota britânica em 19 de Julho. Às duas da manhã da segunda-feira seguinte, preparava o Conselho de Guerra inglês seis urcas velhas — os "navios-fogo" — que foram abarrotadas de combustível, enviadas para o centro da esquadra espanhola e em seguida incendiadas, fugindo os pilotos em seus batéis. A esquadra espanhola perdia assim a coesão e via-se reduzida a menos da metade de seus navios, que somente conseguiriam escapar contornando as costas da Escócia e Irlanda, em uma atribulada viagem que ainda sofreu com as tempestades de setembro, típicas na região.

Recomendação do dia: O livro "Filipe da Espanha", de Henry Kamen, ed.Record, uma biografia erudita, imparcial e justa do mais controvertdo rei espanhol.

28 de ago. de 2008

O Baile


O ocaso do Império brasileiro não poderia estar melhor simbolizado do que pelo derradeiro baile da Ilha Fiscal(foto), realizado em 9 de novembro de 1889, apenas seis dias antes da proclamação da República. Reunindo entre quatro e cinco mil pessoas, a festa tinha como motivação homenagear oficiais da marinha chilena que haviam aportado pouco antes no Rio de Janeiro. Com tal gesto, o Estado imperial pretendia mostrar aos históricos rivais argentinos que uma nova composição de forças surgia no continente, barrando possíveis ambições expansionistas de seus vizinho dos pampas. No palácio de estilo gótico(hoje parte integrante do complexo Cultural da Marinha), foi servido aos convidados um requintado buffet de carnes e peixes variados, regados a excelentes vinhos e champagnes. Enquanto isso, no cais, o povo era distraído por uma banda da polícia com lundus e fandangos, danças que contrastavam com o refinamento das valsas e polcas que embalavam políticos e oficiais... O comportamento dos participantes foi largamente explorado (a imprensa da época noticiou que peças íntimas foram encontradas na ilha depois da festa), no evento que marcou a melancólica despedida da monarquia.

Recomendação do dia: O livro "A Formação das Almas - O Imaginário da República do Brasil", de José Murilo Carvalho, ed.Companhia das Letras, onde o autor - com os olhos no final do século XIX - nos oferece um curioso passeio pelo momento de implantação do regime republicano através de imagens. Entre texto e ilustrações, aprendemos como mitos criados para a República - seus heróis, a bandeira verde-amarela e o nosso hino - traduzem com fidelidade as batalhas travadas pela construção de um rosto para a República brasileira.

27 de jul. de 2008

Intelectuais


Teria sido o surgimento dos intelectuais um fenômeno ocorrido apenas no final do século XVII, como afirma Paul Johnson, quando pensadores seculares substituíram padres, escribas e adivinhos, os quais em épocas de maior religiosidade haviam conduzido a sociedade ou, segundo opinião de Jacques Le Goff, seria o intelectual fruto da revolução urbana situada nos séculos XII e XIII que permitirá a emergência das universidades, verdadeiras catedrais do saber, nas quais grandes debates forjam os músculos dos trabalhadores da idéias? Independente do momento em que aparecem, os intelectuais não serão encarados nem como servos nem como intérpretes dos deuses e sim como seus substitutos, capazes de diagnosticar as doenças da sociedade e de curá-las com seu intelecto auto-suficiente...

Recomendação do dia: O livro "Descartes - Uma biografia intelectual", de Stephen Graukoger, ed.Contraponto, que trata da vida e obra de René Descartes, cuja filosofia encontrou oposição na Igreja e nas universidades até o século XVIII. Excluído da Academia das Ciências, o cartesianismo cedo se transformou em filosofia social específica, que aplicou o método da dúvida e o princípio das idéias claras e distintas ao pensamento vigente, desmascarando a falsidade de preconceitos e a presunção de verdades definitivas.

O Pai da Imprensa


Em 1450, todos os livros europeus eram copiados a mão e não somavam mais do que algumas centenas. Em 1500, eles já eram impressos e podiam ser contados aos milhares. A história de Johannes Gutenberg é um paradoxo: sua ambição era reunir todo o mundo cristão, mas sua invenção foi utilizada para separá-lo; ele desejou fazer fortuna, mas lhe foi cruelmente negado o direito de aproveitar os frutos do seu trabalho e uma vez que o segredo de sua descoberta foi revelado, o mundo nunca mais foi o mesmo... A invenção dos tipos móveis tornou possível o desenvolvimento da ciência moderna e da literatura, além de promover profundas mudanças políticas que levaram ao surgimento das nações.

Recomendação do dia: O livro "A Conturbada História das Bibliotecas", de Matthew Battles, ed.Planeta, onde cada página mostra como o armazenamento de enormes quantidades de livros em um só local vem despertando a atenção de inimigos da civilização, desde a destruição da coleção de Alexandria até as guerras mais recentes. Após este livro, fica difícil caminhar entre estantes sem pensar na vida intensa que é ocultada por sua aparência de paz e ordem.

2 de jan. de 2008

Poliandria no Quilombo de Palmares


Palmares reproduzia, dentro de suas fronteiras, a desproporção de sexos existente entre a população escrava. Esse desequilíbrio ocorria porque os senhores de escravos preferiam comprar homens jovens a mulheres e os traficantes procuravam suprir essa demanda. Calcula-se que, para cada mulher, havia três ou mais homens (variando com a área), fato que se irá refletir na composição por sexos da população palmarina. Se no quilombo fosse mantido o casamento monogâmico que os senhores de engenho impunham em suas fazendas, haveria um desequilíbrio familiar tão agudo que a desarticulação social seria inevitável. Instituiu-se assim a poliandria (na qual uma mulher tem vários parceiros sexuais concomitantes e com eles tem vários filhos), como assim descreveu um negro infiltrado em Palmares a mando de um grande proprietário de terras "...a cada escravo fugido que chega em Palmares é dado pelo conselho de justiça uma mulher, à qual possui junto com outros negros - dois, três, quatro ou cinco - pois sendo poucas as mulheres, lá adotam esse estilo para evitar contendas..." Entretanto, ao contrário do que acontecia com a maior parte da comunidade, os membros da estrutura de poder (como o rei e possivelmente os chefes de mocambos) praticavam a poligamia - Ganga Zumba tinha três mulheres, duas negras e uma mulata, enquanto Zumbi teve também algumas, havendo a hipótese de que uma delas era branca.

Recomendação do dia: O livro "Rebelião Escrava no Brasil", de João José dos Reis, ed.Companhia das Letras, um estudo cuidadoso do levante urbano ocorrido em 1835 na cidade de Salvador e que foi liderado por nagôs muçulmanos nascidos na África.

1 de jan. de 2008

O Papa e a História


Esperou em vão quem sonhava que o papa, em sua última viagem ao Brasil no ano de 2007, pedisse perdão pelos erros cometidos em nome da fé no continente sul-americano. Os sucessivos pedidos de perdão que foram a marca de João Paulo II não encontram eco na consciência de Bento XVI. Para ele, aqui não se travou uma guerra colonial que dizimou populações inteiras de ameríndios, num processo de evangelização legitimado pela superioridade da fé católica de cristãos portugueses e espanhóis. Líderes indígenas consideraram as declarações do papa "arrogantes e desrespeitosas". Eles discordam da tese de que a Igreja Católica os tenha purificado e que retomar suas religiões originais seja um retrocesso.
Num discurso para os bispos latino-americanos e do Caribe no encerramento de sua visita ao Brasil, o pontífice distorceu um pouco a história ao afirmar que a Igreja não havia se imposto aos povos indígenas das Américas. Segundo Bento XVI, os índios receberam bem os padres europeus, já que "Cristo era o salvador que esperavam silenciosamente".
"É arrogante e desrespeitoso considerar nossa herança cultural menos importante que a deles", respondeu Jecinaldo Satere Mawe, coordenador-chefe da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Recomendação do dia: O livro "Da Esperança à Utopia", um testemunho de D.Paulo Evaristo Arns que registra a vida de alguém engajado na construção de uma Igreja nova e contemporânea desde os tempos em que, destemido defensor dos direitos humanos na época da ditadura, aprendeu a ser um hábil e firme negociador no convívio com os donos do poder.

11 de nov. de 2007

Cidade Romana na China


Embora não haja nenhum registro histórico da chegada de romanos à China, vestígios de sua presença podem ser encontrados na província de Gansú. Ali, ao lado de moedas com efígies de imperadores romanos lá encontradas, podem ser vistos chineses de cabelos castanhos e olhos claros que afirmam ser descendentes de legionários que ali viveram em aproximadamente 50 A.C. Esses romanos teriam vindo da Turquia, a 6.400 km de distância, após uma estranha jornada que começou quando suas legiões foram cercadas e derrotadas por exércitos da Pártia. Cerca de 20.000 romanos foram mortos e 10.000 aprisionados, dos quais metade foi para o Afeganistão e a outra metade, seguindo a famosa rota da seda, foi para a China. Ali os prisioneiros ensinaram táticas militares a guerreiros chineses, tais como as formações de escama de peixe e couraça de tartaruga (gravura), além da utilização de paliçadas duplas para a defesa de fortes. Apesar de libertados, não retornaram à sua pátria; isso explica-se pelo fato de que, caso chegassem à Roma, perderiam a cidadania e seriam escravizados por terem se rendido em batalha e transformado-se em mercenários. Fundaram então a cidade de Li Jien (Roma, na antiga nomenclatura chinesa) da qual hoje só permanecem poucas e mal conservadas ruínas.

Recomendação do dia: O livro "Declínio e Queda do Império Romano", de Edward Gibbon, ed.Companhia de Bolso, um clássico dos clássicos onde o autor, irônico e contundente, apresenta o que considerou o "triunfo da barbárie e da religião" sobre as nobres virtudes romanas.

10 de out. de 2007

Entre a Cruz e as Estrelas


A partir de um determinado momento, a contemplação dos céus torna-se aos poucos observação e a reverência diante da obra da criação divina se transforma em dúvida e curiosidade diante dos mecanismos do seu funcionamento. O conhecimento do mundo havia sido apresentado inicialmente como conhecimento de Deus, intermediado pela Revelação, através da Bíblia. A libertação do pensamento ocidental só ocorre quando se ousa qualificar a linguagem bíblica como linguagem simbólica.

(Em 1543 foi publicada uma obra imponente, sob o título de "As Revoluções dos Orbes Celestes". O autor era um destacado astrônomo polonês chamado Nicolau Copérnico, que vivera longo tempo na Itália. As idéias desse livro apresentam a tese do heliocentrismo, na qual afirmava-se que o centro do sistema planetário é o Sol, não a Terra. Copérnico não teve tempo de desfrutar do renome que esta obra lhe proporcionaria, pois faleceu de morte natural no mesmo ano de sua publicação. Em 1616 as teses copernicanas são condenadas pela Igreja e o heliocentrismo proibido, até que em 1835, mais de dois séculos depois, a sentença é suspensa. Como afirmou um cardeal durante esse processo, "...a intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como se vai para o céu e não como vai o céu...")
Recomendação do dia: O livro "A Filha de Galileu", de Dava Sobel, ed.Companhia das Letras, uma biografia de Galileu Galilei baseada nas cartas - pouco conhecidas - que sua filha mais velha (uma freira enclausurada chamada Maria Celeste em homenagem à paixão do pai pelos mistérios do céu) lhe escreveu por duas décadas.

7 de set. de 2007

"Pelô"


O pelourinho simbolizava o núcleo legal: instrumento e símbolo da autoridade, servia para atar os desobedientes e criminosos. Todo pelourinho tinha sempre a plataforma com degraus, a coluna de pedra ou madeira - que era mais ou menos da altura de um homem - e o capitel...Não eram postes de execução, para o suplício da estrangulação havia a forca ou o patíbulo. Possuíam primitivamente sob a coluna uma gaiola onde os réus cumpriam a pena de "exposição"; a gaiola passou mais tarde a figurar em ponto pequeno, como remate simbólico, sem nenhuma utilidade prática. Puniam-se nos pelourinhos os exploradores, os ladrões e os difamadores com castigos de exposição e vergonha pública, além do açoite. Nas colônias coexistiam com o pelourinho, a alfândega e a igreja, que indicavam a superioridade do rei, do cobrador de impostos e do padre, este vigiando as consciências. Montesquieu, tratando da justa proporção entre os delitos e as penas, no livro "O Espírito das Leis", mostra que também na Inglaterra haviam pelourinhos. E narra, a esse propósito, o seguinte caso interessante:

"Carlos II, rei de Inglaterra, viu, ao passar, um homem posto na argola do pelourinho.
- Por que está ele ali? - perguntou.
- Senhor - responderam-lhe - é porque escreveu libelos contra os ministros de Vossa Majestade.
- Grande tolo! - exclamou o rei - Por que não os escreveu contra mim? Nada lhe teria acontecido."

(Na gravura vemos, junto ao primeiro pelourinho de São Vicente, o governador Braz Cubas lendo o foral da vila)
Recomendação do dia: O livro "Estado de Direito Já! - os 30 anos da Carta aos Brasileiros", ed.Lettera.doc, que retrata um dos marcos mais importantes da luta pela democracia no país, reunindo 23 personalidades de nossa história que compartilham, com emoção e riqueza de detalhes, as suas lembranças da época.

2 de set. de 2007

Os Fins Justificam os Meios


Por mais de cinco séculos, o nome Maquiavel tem sido associado ao mundo da política e da crueldade...Tendo ao longo da vida ganhado fama de figura corrupta e gananciosa, na verdade Maquiavel foi um intelectual e teórico brilhante que, após a subida dos Médici ao poder, perdeu seu emprego, foi acusado de sedição, preso e torturado. Libertado mais tarde, começou a escrever sua obra-prima, "O Príncipe", baseado em sua vasta experiência política. Dividida em 26 capítulos curtos, a princípio a obra foi recebida quase com indiferença e sua recepção imediata mal pode ser chamada de positiva ou negativa. Editado, lido e debatido ainda hoje, quando vende milhares de cópias em todo o mundo anualmente, o livro é considerado um dos mais importantes já publicados no Ocidente...É também uma das obras mais mal compreendidas que já existiram e aqueles que comprendem mal sua intenção, também compreendem mal o homem que o escreveu.

Recomendação do dia: O livro "Abril Sangrento", de Lauro Martines, ed.Imago, que nos oferece um retrato original da Florença renascentista, onde realizações artísticas deslumbrantes caminhavam de mãos dadas com violência, sadismo e truculência política.