5 de dez. de 2006

O que 68 tem a nos ensinar?


Há 38 anos o mundo tremeu. O ano de 1968 na França, na Tchecoslováquia e no resto do mundo permanece uma incógnita. Os acontecimentos não foram previstos nem mesmo pelos que vieram a liderá-los e, uma vez em marcha, escaparam a todos os modelos, não sendo explicados até hoje por nenhum analista. Na inquietude daqueles dias, verificava-se uma completa desmoralização de todas as ortodoxias. Não foi por acaso que os fatos ocorridos durante o mês de maio de 1968, na França, tiveram inúmeras denominações, desde "acontecimentos de maio de 68", a "as barricadas de 68" ou, numa formulação mais abrangente, simplesmente "maio de 68". Na verdade, a insubordinação estudantil, seguida da operária, levou à uma crise de autoridade na França, propagada pela imprensa, pelo rádio e pela televisão, que transmitiam ao mundo palavras, som e imagens de rebeldia.

(Durante as manifestações parisienses uma série de posters foram produzidos e utilizados como verdadeiras armas de contestação e rebeldia, sendo colocados em paredes e muros localizados no centro dos conflitos, seja nas ruas, nas universidades ou nas fábricas. O desenho acima retrata talvez o mais famoso deles; mostra uma pessoa com a cabeça coberta de bandagens. Não podemos distinguir sua raça, idade ou sexo, mas temos certeza de que essa pessoa foi brutalizada. Seus olhos exprimem dor e angústia, sua boca está fechada com um alfinete. Na legenda está escrito:"Uma juventude que se inquieta demais com o futuro..." O que essa imagem nos diz? É meramente o desenho de alguém que sofreu um abuso das autoridades ou profetiza uma fuga do coletivo dentro da apatia e da covardia? Seja qual for a interpretação, essa imagem continua a ressoar em nossos tempos...)
Recomendação do dia: O livro "Era dos Extremos", de Eric Hobsbawm, Ed.Companhia das Letras - O testemunho do autor sobre o século XX, em um estilo agradável e elegante, discorrendo sobre temas tão distintos como máfia, jazz, rebeldes africanos, política ou economia.

1 de dez. de 2006

Meu Pai


Nunca havia visto meu pai chorar. Por isso doeu tanto aquele momento no qual lhe disse ter trancado o curso de Engenharia Mecânica na Universidade Gama Filho para tentar o vestibular de História no ano seguinte. Trabalhando na Petrobrás desde 1960, tendo começado como um simples operador e chegado à aposentadoria como supervisor, cargo máximo que se pode atingir com o nível de escolaridade que possuía, papai desejava ver seu filho mais velho formado engenheiro, a fim de que pudesse alcançar na empresa um status que ele nunca pôde obter. Eu, porém, tinha outros planos.

(A gravura acima encontra-se no site da enciclopédia virtual L'agora, um precioso instrumento de pesquisa para quem domina o idioma francês).
Recomendação do dia: O livro "Quase Memória, Quase Romance", de Carlos Heitor Cony, Ed. Companhia das Letras - Uma obra-prima. O autor alterna em grande estilo momentos de ternura e humor ao narrar episódios de sua vida ao lado do pai.

24 de nov. de 2006

Irlanda


Há lugares que um historiador precisa visitar e, se a mim coubesse uma escolha, em primeiro lugar eu iria à Irlanda, pois gostaria de conhecer a terra e as pessoas cujos antepassados salvaram a Civilização Ocidental. Explico: no período entre a queda de Roma e a ascensão de Carlos Magno - etapa conhecida como "Idade das Trevas" - o aprendizado, a erudição e a cultura praticamente desapareceram do continente europeu. A grande herança da Civilização Ocidental - desde os clássicos gregos e romanos até textos bíblicos de judeus e cristãos - teria sido inteiramente perdida não fosse pelos monges da Irlanda, uma região que permaneceu ilesa aos ataques das hordas bárbaras. Com a volta da estabilidade à Europa, os estudiosos irlandeses foram instrumentais na disseminação deste conhecimento. Eis a razão pela qual gostaria de conhecer esse povo, que não apenas preservou a civilização, mas também se tornou formador da mentalidade medieval, colocando sua marca singular na cultura ocidental.

(A foto mostra as ruínas de um mosteiro franciscano fundado em 1357 na localidade de Headford, Irlanda. Em locais como esse, longe dos saques ocorridos no continente, monges e escrivães, com amor e desprendimento, copiaram e preservaram laboriosamente os tesouros manuscritos do Ocidente)
Recomendação do dia: O livro "Quando Jesus se tornou Deus", de Richard E. Rubenstein, Fisus Editora - São poucos os cristãos desse século que sabem da intensa disputa religiosa, social e política que marcou 60 anos do século IV. O autor explica os elementos da luta teológica que se refletiu em uma monumental mudança histórica: o cristianismo, que de uma seita perseguida, tornou-se a religião oficial do Império Romano.

22 de out. de 2006

A Guerra do Paraguai (uma história mal contada)


A Guerra do Paraguai teve desde seu término inúmeras interpretações dos que a estudaram. A primeira delas, surgida quando ainda viviam os que lutaram no conflito, simplificava a explicação da guerra ao ater-se às características pessoais de Solano López, classificado como ambicioso, tirânico e desequilibrado. Já no início do século XX, adeptos do positivismo, filosofia contrária ao regime monárquico de governo, passaram a responsabilizar o Império brasileiro pelo início da guerra; também nessa época, no Paraguai, Solano López teve sua imagem "reconstruída", passando a ser apresentado como grande estadista e chefe militar. Nas décadas 1960 / 1970, intelectuais nacionalistas e de esquerda "promoveram" Solano López a líder anti-imperialista e apresentaram o Paraguai como uma nação progressista que fugia à subordinação da Inglaterra - entre os livros mais marcantes desse revisionismo podemos citar "Genocídio americano:a Guerra do Paraguai", de J.J.Chiavennato, grande sucesso editorial e que ensinou a gerações de estudantes brasileiros (aí me incluo)que o imperialismo inglês usou a guerra para destruir o Paraguai, "único Estado economicamente livre" da América do Sul. Essa teoria conspiratória não tem provas documentais; na verdade tanto a historiografia conservadora quanto a revisionista simplificaram as causas e o desenrolar da Guerra do Paraguai, ignorando documentos e substituindo a metodologia do trabalho histórico pelo emocionalismo fácil e denúncia indignada. Atualmente a superação dos regimes autoritários sul-americanos, os avanços do conhecimento histórico e a abertura de arquivos criaram condições para uma análise mais objetiva do conflito, superando deturpações ou simplificações.

(A gravura mostra a batalha do Avaí, uma dos combates da dezembrada - conjunto de operações militares ocorridas em dezembro de 1868, que também inclui o combate da Ponte de Itororó, planejadas e comandadas pelo então Marquês de Caxias, abrindo acesso a Assunção)
Recomendação do dia: O livro "Maldita Guerra", de Francisco Doratioto, Editora Companhia Das Letras - Escrito em linguagem clara e direta, este livro é fruto de quinze anos de pesquisa em arquivos e bibliotecas do Brasil, do Rio da Prata e da Europa, desfazendo mitos antigos e recentes sobre o conflito.

18 de set. de 2006

Uma Certeza


- "Você ama História?" A pergunta me foi atirada pela professora de supetão e, apesar de surpreso, também sem pensar respondi de imediato:"Amo!". Longe de querer fazer filosofia barata, posso afirmar que aquela questão merecia uma análise melhor da minha parte antes de uma resposta tão descuidada, afinal "amo" é uma palavra que não pode ser dita em vão...Porém hoje, passados tantos anos, reafirmo: "Sim, eu amo História..."

("The State Hermitage Museum", localizado no coração da cidade de São Petersburgo na Rússia, antiga residência de czares, apresenta hoje uma magnífica coleção de trabalhos artísticos - mais de 3.000.000 de ítens - da idade da Pedra ao século XX. Vale a pena dar uma olhada no site do museu, que apresenta uma espetacular visita virtual)
Recomendação do dia: O livro "História das Idéias Políticas", de François Chatelet, Jorge Zahar Editor - Não tendo como objetivo delimitar o saber, apoia-se na idéia da "compreensão": compreender as principais doutrinas que marcaram o desenvolvimento do pensamento político, de Platão a Marx, de Aristóteles a Foucault.

10 de jun. de 2006

"Se lembra quando era só brincadeira, fingir ser soldado a tarde inteira..."


Um dos episódios mais obscuros acerca de nossa participação na Itália durante a Segunda Guerra Mundial é o que se refere à condenação à morte de membros de um pelotão da FEB (Força Expedicionária Brasileira) que, segundo documentação oficial, haveriam matado um velho italiano e estuprado sua neta em fins de 1944. Em que pese os nomes dos envolvidos terem aparecido no jornal "O Globo" (6/10/1945), no semanário "O Cruzeiro" e nos volumes 22 e 27 da Jurisprudência do Supremo Tribunal Militar, o assunto foi abafado ainda durante o primeiro governo do presidente Getúlio Vargas, que indultou a todos. Posteriormente um dos envolvidos no bárbaro crime chegou a fazer parte da guarda de Vargas no Palácio das Águias, no Catete, após a posse do ex-ditador em seu retorno ao poder no ano de 1950.

(Na foto acima, soldados brasileiros escoltam prisioneiros alemães capturados em Monte Castelo. É interessante constatar que quase todas as fotos dos pracinhas foram posadas, não havendo praticamente registros de combates. Isso ocorreu porque os jornalistas brasileiros encarregados de cobrir a FEB dificilmente íam à linha de frente, pois a censura era realizada de forma descabida, tolhendo a ação dos repórteres, algo que pode ser confirmado pelo fato de que nenhum dos nossos correspondentes foi sequer ferido, o que é raro neste tipo de atividade).
Recomendação do dia: O livro "As Duas Faces da Glória", de William Waack, Ed.Nova Fronteira - Uma crítica histórica bem documentada das versões existentes sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial.

4 de mai. de 2006

Piratas


A era de glória da pirataria estende-se de 1660 até 1730, devido à comercialização de mercadoria via marítima entre vários locais (desde as riquezas do Novo Mundo, que eram transportadas em caravelas comandadas por portugueses ou espanhóis das Américas à Península Ibérica, até à mercadorias transportadas pelo mar do Caribe). Alguns piratas ficaram com o seu nome na história, tal como Edward Teach, mais conhecido por Barba Negra. Mas, a pirataria não era só um problema europeu e americano: as embarcações de Xangai até Singapura, do Vietnã ao Japão e à China, e até as embarcações não muçulmanas da costa norte de África estavam entre os alvos.

(O desenho mostra uma abordagem à fragata "Whydah", que opõe resistência).
Recomendação do dia: O livro "Além do Fim do Mundo", Ed.Objetiva, onde L.Bergreen conta com riqueza de detalhes e inúmeras revelações, a verdadeira história da odisséia de Fernão de Magalhães em sua viagem de circunavegação de 1519, pontuada por tormentas, motins, violência, luxúria e que nos lembra do que é preciso para ousar ir onde nenhum ser humano foi antes.

20 de mar. de 2006

O melhor lugar do mundo...era lá e naquela época


Tenho vontade de nos finais de semana ir a um lugar tranquilo o bastante para ler e apreciar a natureza...O corre-corre da cidade e do trabalho me deixa muitas vezes estressado e, para mim, não existe melhor remédio contra o stress do que deitar em uma rede e ler um bom livro. Fui criado indo toda sexta-feira à noite para um sítio que meus pais tinham em Saquarema; na época eu não o valorizava muito, como qualquer adolescente queria mais é ficar aqui no Rio, sair com a turma etc...Agora, anos depois que ele foi vendido, sinto necessidade do silêncio ali existente e que só era quebrado pelo vento mexendo com as folhas das árvores.
Recomendação do dia: O DVD "O Incrível Exército de Brancaleone", direção de Mario Monicelli. - Uma sátira demolidora dos conceitos de honra e coragem sobre os heróis medievais.

14 de fev. de 2006

Fontes Históricas


Os historiadores usam várias fontes de informação para construir a sucessão de processos históricos, como, por exemplo, documentos escritos, jornais, gravações, gravuras, pinturas, fotos, músicas, entrevistas (História oral) e achados arqueológicos.Não se passa pela vida sem deixar marcas. Um objeto, uma obra, um desenho, uma canção, uma carta, uma hipótese formulada... são traços da passagem do homem. "Todo e qualquer vestígio do passado, de qualquer natureza", define o documento histórico. Quantas vezes, porém, não foi tentada a falsificação de documentos históricos? Heróis fictícios, peças com atribuições alteradas de origem, tempo e uso, informações sem fontes... muitas e tantas danações dos que querem moldar a história aos seus caprichos. Por isso existe uma ciência especial, a Heurística, só para cuidar da verificação e investigação da autenticidade das fontes históricas.

(Na foto, um documento escrito como fonte histórica: a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888.)

6 de jan. de 2006

Gênese


Por que História? Na verdade desde a infância, mesmo sem saber, eu já flertava com essa senhora...Os almoços e jantares não eram os mesmos se, enquanto comia, eu não estivesse lendo algo a ver com História; geralmente eram duas coleções que ainda hoje podem ser encontradas em sebos: "A Segunda Guerra Mundial" e "Conhecer". Apesar dessas leituras, entretanto, e talvez por ter feito o primeiro e segundo graus durante o período da ditadura militar, só ouvi falar de Tocqueville, Marx, Weber e Arendt quando iniciei meu curso de História na PUC. Era a época das famigeradas matérias "Moral e Cívica" e "OSPB", durante as quais não haviam discussões críticas sobre Política e Ciências Sociais. Eu tinha que recuperar o tempo perdido.

(A bela foto retrata a entrada do Museu Imperial de Petrópolis, um dos primeiros que visitei. Nunca imaginei que, no futuro, iria ali guiar alunos por entre suas salas e quartos)
Recomendação do dia: O DVD "Terra e Liberdade", direção de Ken Loach - Tendo a guerra civil espanhola como pano de fundo, o filme retrata pessoas que viveram e morreram por seus ideais. Difícil não se emocionar com a cena final...